“Lembro de como foi crescer entre as pessoas e os lugares que eu amava. Mais do que tudo, lembro de como foi ir embora.”

Outubro de 1979

Faltava apenas uma semana para o fim da minha clausura de 3 meses e já tendo decidido o que fazer da minha vida dali em diante, aproveitava o tempo livre para preparar minha partida. Em uma semana estaria de mudança para Londres, onde cursaria gastronomia por um ano e meio no Lê Cordon Bleu. Já havia alugado um apartamento perto da escola e lia um folheto informativo sobre o curso quando um estampido me assustou. Minha irmã mais velha havia acabado de aparatar no meio da sala.

– Karen? O que está fazendo aqui? – levantei do sofá e fui até ela – Não deveria estar em Hogwarts? – ela correu até a janela. Caia uma tempestade lá fora – O que está fazendo?

– Droga! – ela fechou a cortina bruscamente e foi escorregando na parede até sentar no chão.

– Karen! – abri um pouco da cortina e vi Kegan parado no gramado, debaixo daquela chuva toda – Ele vai morrer de hipotermia lá fora, mande-o entrar!

– Não! Não mandei ele me seguir, não quero que ele entre!

– O que está acontecendo aqui? – papai apareceu na sala e se espantou a ver Karen sentada no chão.

– Aparentemente, ela quer matar Kegan de hipotermia – abri a cortina outra vez e papai espiou pela janela.

– Por que seu namorado está sentado no meu gramado, debaixo de um temporal? – ele perguntou calmamente, já imaginando uma resposta idiota. Afinal, era Karen e seus dramas.

– Ele quer que eu me case com ele.

– O que? Como ele ousa? – fingi indignação e papai segurou uma risada.

– Por mais que seja difícil para um pai aceitar que sua filha se case, por favor, me explique onde está o problema.

– Nós só estamos juntos há 4 meses! – sabia que ela tentava usar um argumento convincente, mas não enganava a mim e ao papai – Sim, eu gosto dele, mas casar? Já?

– Existe uma explicação para a pressa? E por Merlin, Scott, mande-o entrar! Ele vai ficar doente lá fora.

– Ele foi transferido pra Bulgária, vai comandar o Quartel General de Aurores do Ministério de lá e não quer ir embora se eu ficar. Não gosto de ser pressionada.

– Ele não quer entrar – fechei a porta da sala – Disse que só sai da chuva quando Karen disser sim.

– Você ama esse rapaz, minha filha?

– Pai, são 4 meses – Karen começou, mas empacou na metade e não completou o pensamento.

– Não perguntei há quanto tempo vocês estão juntos. Só responda a pergunta com sim ou não, sei que você tem essa resposta. Você é minha filha, é decidida e sempre soube qual seria o próximo passo na sua vida, não importava a idade. Você ama esse rapaz?

– Amo. Muito.

– Então porque você está aqui dentro, enquanto ele está lá fora na chuva? Está com medo de ser feliz?

Karen nos encarou mais alguns segundos, então levantou do chão e atravessou a porta para o quintal sem dizer nada. Abrimos a cortina a tempo de ver minha irmã se aproximar de Kegan e depois de trocarem algumas palavras que não podíamos ouvir, deram um longo abraço que terminou em um beijo apaixonado. Há algum tempo atrás eu havia chegado à conclusão que tudo de importante na minha família sempre acontecia em dias de chuva. Hoje não havia sido uma exceção. Tinha acabado de ganhar meu primeiro cunhado.

ºººººº

– Você está oficialmente liberado, Sr. Foutley – o funcionário do Ministério terminou de desfazer o feitiço colocado em nosso quintal e me estendeu a mão – Já cumpriu a sentença.

– Obrigado, e espero não ver você nunca mais – apertei sua mão também, sorridente – Sem ofensas.

O homem riu e desaparatou da propriedade. Olhei para meu pai ao meu lado e depois para o jardim a minha frente que não pisava havia 3 meses, então sai correndo feito um louco, rodeando todo o imenso gramado, enquanto meu pai ria da porta da casa. Estava livre.

ºººººº

– Scott, está pronto? – papai apareceu na porta do escritório.

– Quase.

Estava sentado no sofá, cercado de caixas, enquanto terminava de esvaziar tudo que tinha deixado espalhado ao longo dos anos pela casa. Quando decidi estudar gastronomia, a idéia inicial era ir para Paris, mas com meu francês não tão bom assim e o rápido protesto das meninas, alegando que havia a mesma escola em Londres, revi meus planos. Elas estavam empolgadas com a idéia de me ter por perto outra vez e eu não poderia estar mais feliz por estar finalmente deixando a Suécia e seguindo minha vida, mas não conseguia deixar de me sentir um pouco triste. Meu sonho sempre foi ir embora, mas agora que havia chegado a hora, percebi que não era tão simples assim dizer adeus.

– Está tudo bem? – ele entrou vendo que encarava as caixas cheias com um ar vago.

– Sim, é só que… Pensei que seria mais fácil.

– Ir embora nunca é fácil – papai sentou ao meu lado no sofá – Você foi feliz aqui, sempre vai sentir saudades.

– Você vai ficar sozinho nessa casa enorme…

– Posso me cuidar sozinho, Scott. Não vou ser encontrado no chão da sala três meses depois da ultima visita de vocês, em decomposição.

– Ai papai, que horror! – fiz uma careta de reprovação e ele riu.

– O que foi? – ele parou de rir e me encarou sério – Quer falar alguma coisa, não é? Está com aquela cara de quem quer contar algo, mas não sabe se deve mesmo.

– Parece que você me conhece melhor do que eu pensava.

– Isso vai soar extremamente egoísta, mas esse período que você passou sem poder sair de casa nos fez muito bem. Eu pude fazer o que não fiz em 17 anos: conhecer meu filho.

– É, acho que posso dizer o mesmo, pai. Três meses atrás, eu não teria coragem de dizer o que estou prestes a dizer a você – encarei-o, e pela primeira vez, sem mais nenhum receio – Sei que você já sabe, é obvio, mas eu preciso admitir isso em voz alta, em nome da relação que construímos nesses três meses. Eu sou gay.

– É, eu já sabia disso, mas fico feliz que tenha tido a consideração de me contar e não apenas deixar como estava. Imagino que o irmão de Kegan é seu namorado – confirmei com a cabeça e ele apenas sacudiu a dele – Ok, sua mãe já vinha me preparando para isso, está tudo bem.

– Você não tem que adorar, pai. Se apenas aceitar, já fico satisfeito.

-Você é meu filho e se você está feliz, eu também estou – ele sorriu e levantou do sofá, pegando a caixa vazia do chão – Melhor lhe ajudar com o resto das coisas, ou você vai perder seu primeiro dia de aula.

Levantei também, como se tivesse tirado um peso enorme das costas. Havia conseguido admitir a meu pai que era gay e ele não havia me rejeitado por isso. Ele tinha razão, aqueles três meses preso em casa fizeram muito bem a nossa relação, sempre tão cheia de falhas, mas que agora parecia completa. Claro que sempre haveria um desentendimento aqui ou ali, afinal, éramos pai e filho, mas agora sabia que meu pai me aceitava do jeito que eu era, com todas as minhas qualidades e defeitos.

Consegui me mudar naquela noite e meu pai me acompanhou até Londres, voltando para a Suécia na manhã seguinte. Wayne se mudou de volta para casa uma semana depois, para se formar na Academia de Aurores de Gothland. Megan se juntou a ele um ano depois, e Wayne morou na mansão com papai até alguns anos depois de se formar, mas Megan nunca foi embora.

Karen se casou com Kegan um mês depois, em uma cerimônia simples na Irlanda, mas com todos os familiares e amigos presentes. Mudaram para a Bulgária no dia seguinte, onde ele assumiu o Departamento de Aurores do Ministério e ela começou a lecionar Literatura Mágica em Durmstrang até o nascimento do meu primeiro sobrinho, Christopher, três anos depois.

Quanto a mim… Bom, eu fui embora para Londres sem olhar para trás. E nunca me arrependi.

N.A.: O fim do texto está com essa cara de series finale, mas é porque encerrei a fase do Scott adolescente. A partir de agora, sempre que um texto dele surgir, já será em sua fase adulta, formado e dono do próprio nariz, bem longe da casa onde cresceu. Então sim, é um final, mas um season finale.

Das anotações de Morgan O’Hara Weasley

Maio de 2013, Hospital St. Patrick, Irlanda

Eram sete horas da manhã, e embora eu me locomovesse como uma tartaruga por causa da minha barriga de quase nove meses, eu estava agitada. Quando engravidei pela segunda vez, decidi que iria trabalhar até o ultimo momento se estivesse bem. E eu estava, mesmo não podendo correr de uma lado a outro do hospital. Entrei na sala comum destinada aos curandeiros residentes de formação variada, e não pude conter um suspiro de satisfação ao sentir o cheiro de hospital, misturado com água e sabão que senti ao entrar no vestiário destinado aos curandeiros do hospital. Vi que Ethan e Brian McGregor estavam terminando de comer uma barra de chocolate cada um, e após pigarrear e atrair olhares atentos disse:
– Atenção pessoal! Houve um acidente na estação de trem trouxa e o Primeiro ministro está pedindo nossa colaboração. Vamos nos deslocar para ajudar no socorro às vitimas em quinze minutos ok? Somos do Médicos sem Fronteiras, quero um atendente, e dois residentes juntos, alunos do primeiro semestre atuarão na enfermagem.- ouvi resmungos e ignorei.
– Cada um de vocês terá uma sacola com todo equipamento de primeiros socorros, inclusive kits para pequenas cirurgias e medicamentos, e todos sem exceção ajudarão no que for preciso. Dr. Warrick, Dr. McGregor, Drª Stevens e Drª Sloan, são os atendentes responsáveis e irão se reportar a mim, constantemente – ia dando a cada um deles um celular. – continuei:
– O ministério não quer que usemos magia, então vamos nos limitar ao nosso conhecimento de medicina trouxa. Faremos tudo o que for necessário, sem nos expor. Pobre daquele que pisar na bola, e eu tiver que preencher relatórios e pedidos de desculpas a burocratas enquanto estou com passageiros na nave ok?- disse alisando a minha barriga e todos riram.

Logo estávamos todos trocados, usando roupas de médicos e enfermeiros trouxas. Ethan se aproximou preocupado:
– Morgan, você vai ficar aqui não é? No seu estado, fica complicado se movimentar rápido…
– Está me chamando de gorda inútil?- e Ethan ficou pálido e disse rápido:
– Jamais! Só fico preocupado com você e os bebês. Sabe que Carlinhos me mata se alguma coisa acontecer no meu plantão… – sorri.
– Fique tranqüilo, você não terá que fazer o parto dos gêmeos, vou manter a dignidade. Vamos lá pessoal, a ajuda é para hoje… – e quando nos aproximamos das cabines que nos levariam até a parte trouxa, me preparei para o longo dia que teria.
Depois que nos apresentamos a um médico com idade para ser meu pai, chamado Dr. Webster, cada um de nós assumiu a sua função. Como o médico ficou impressionado com o tamanho de minha barriga, pediu que eu ficasse na triagem. Claro, que após algum tempo e o volume de atendimento aumentando, acabei indo ajudar na emergência, e várias vezes precisei me esticar para conseguir chegar aos pacientes, as macas pareciam mais largas que o normal, mas é claro que depois percebi que o tamanho da minha barriga é que dificultava o trabalho, e comecei a subir numa escadinha para atender aos pacientes.
Já havíamos passado ali em torno de seis horas e parecia que tudo estava entrando nos eixos, eu suava bastante e sentia um certo desconforto nas costas, enquanto colocava no lugar um ombro deslocado, quando Ethan se aproximou e terminou de me ajudar. Ele viu quando franzi os olhos e respirei fundo, ele posicionou suas mãos em cima da minha barriga e perguntou:
– Há quanto tempo você está sentindo dores? Você está suando frio…
– Achei que suava por causa da correria e não porque estou em trabalho de parto. Só agora senti uma fisgada nas costas e… Acho que a bolsa estourou, sinto-me molhada- ele nem pensou e me pegou no colo, e foi passando pelas pessoas.
– Ethan, posso andar… Ponha-me no chão. – ordenei e ele ignorou, enquanto me colocava numa maca e me separou dos outros pacientes com uma cortina.
– Você agora é minha paciente, e vai me obedecer. Vou cuidar de você e dos bebês, é só colocá-la numa sala preparada e chamo o Carlinhos. Droga, Morgan, ele vai me encher de porrada, por eu demorar a perceber que você estava em trabalho de parto.
– Ele não vai ter tempo para isso, Ethan, estou sentindo vontade de empurrar…- eu disse quando senti algo girando em minha barriga e voltei a suar.
– Mas porque está tão rápido assim? Sua bolsa acabou de romper… – disse enquanto me ajudava a me livrar das minhas roupas e me ligava num monitor fetal. Não demorou muito e Brian abriu a cortina e entrou junto com uma residente novata, que estava encantada por ele e o seguia como a um cachorrinho:
– Hey Ethan, as enfermeiras me chamaram dizendo que você estava com problemas… Owww, Morgan, o serviço de bordo deve ser ruim, os passageiros estão abandonando a nave.
– Ethan, lembre-me de mandar Carlinhos socar o Brian …Ah meu Merlim, eu tinha esquecido de como isso dói…Ele nunca mais encosta em mim…- ouvi o riso do Brian e voltei a respirar ofegante e Ethan disse, após me examinar novamente:
– Não vamos ter tempo de ir para uma sala Morgan, teremos que fazer o parto aqui…Posso usar magia e isolar…- fiz que não e após olhar para os dois e eles se mostrarem tão confiantes, eu disse:
– Ok, doutores. Está na hora do show! – e logo mais duas enfermeiras vieram ajudar, foi a meia hora mais dolorida e uma das mais felizes de toda a minha vida. Não demorou muito e ouvi um choro alto e forte, e Ethan colocava em cima de minha barriga, um bebê com a cara toda enrugada e eu pude ver os cabelos vermelhos no alto de sua cabecinha, enquanto Ethan dizia:
– É uma garota linda, vai dar trabalho com os garotos…
-Sim ela vai.- Mas logo voltei a fazer força, e esperei ouvir aquele choro novamente, mas o tempo passava e eu não o ouvia…
– Ethan….Brian…Porque o bebê não está chorando??- e ninguém me respondeu.
Ergui um pouco meu corpo e vi Brian concentrado trabalhando no bebê.
– Vamos lá garotão, você pode fazer melhor…
Vi quando após limpar a boquinha do bebê e massagear o peito com os dois dedos, ele soprou o ar em sua boca, por duas vezes. Pareceu ter funcionado e logo o bebê emitia um choro alto e Brian dizia feliz:
– Morgan, seu filho é um lutador. – e após me mostrar que meu filho era saudável, ele o colocou numa incubadora por precaução.

Depois me levaram para a ala obstétrica e uma médica terminou de cuidar de mim, enquanto Ethan e Brian avisavam ao meu marido e aos amigos. Ethan e Brian após os cuidados da médica, usaram um pouco de magia de cura em mim no meu quarto, e antes que eu reclamasse, disseram que se houvesse algum relatório, eles cuidariam de tudo rsrs

Eu estava sentada na cama e segurava os dois bebês e os comparava com Lizzie e Johny, quando Carlinhos abriu a porta com violência e vi o quanto ele estava nervoso. Sorri para tranqüilizá-lo e disse:
-Até que enfim! Venha conhecer os seus filhos: Zoe e Spencer, digam olá para o papai.

É, quando disse que eu iria trabalhar grávida até o último minuto, alguém lá em cima deve ter ouvido.

Das anotações de Alex McGregor Warrick

Abril de 2012

O feriado de Páscoa era um grande evento em nosso rancho, não só porque Logan promovia uma verdadeira caça ao tesouro, mas porque era uma oportunidade excelente de reunir toda a familia especialmente os que estudavam em Hogwarts.
Após a caça aos ovos em que as crianças se divertiram muito, observei Rory trazer para a sala uma caixa de bombons enorme, enfeitada com um laço dourado, e entregar ao Ty. Os mais novos ao verem aquela caixa pararam de brincar e se aproximaram, afinal chocolate nunca é demais.
– Mãe, nós temos um presente especial para você.- disse Ty me estendendo a caixa.
Quando a abri, lá dentro além de vários chocolates e bombons do tipo que eu gostava, havia uma surpresa: Meus olhos se encheram de lágrimas, ao levantar um par de sapatinhos vermelhos.
– Nossa familia vai aumentar, mãe. Estamos grávidos! – disse Ty todo animado.
– Como assim ‘estamos’? Eu é que vou carregar a barriga por 9 meses e ele se diz grávido, assim é fácil né? – zombou Rory, arrancando risos de todos. Ouvimos um fungado e vimos quando Olivia saiu correndo da sala.
– Liv? Espera filha…- disse Ty, tentando ir atrás dela mas eu o segurei:
– Rory é quem deve ir conversar com ela Ty. Liv precisa do carinho que só uma mãe pode dar agora. – dei um olhar incentivando Rory e ela entendeu, indo atrás da minha neta.

Olivia correu para a casa da árvore e ficou escondida lá por algum tempo, ate que Rory bateu na abertura que era a porta:
– Oi, posso entrar?
– Acho que não…
– Que pena… Pensei que você poderia me oferecer um chá. Eu estou cansada e não é bom para mim ficar pendurada aqui por muito tempo…- ela disse olhando para a mesinha posta para o chá.
– Ok, mas só um pouco depois você deve ir. – disse Olivia se preocupando.
– Você ficou triste com a noticia do bebê, Liv? Eu disse que você podia me considerar sua amiga, não vou ficar triste se você me disser o que te preocupa…
– Com o novo bebê, você não vai mais ter tempo para mim…- disse abraçando o coelho lilás de vestidinho.
– Claro que vou…Eu amo você Olivia, como não teria tempo para você?- mas a pequena suspirou e começou a chorar:
– E você vai ser mãe do bebê e do Julian…Você é a mãe deles… Porque eu não posso ter uma mãe como todo mundo? Porque eu tenho que sentir tanta falta dela??- e as duas se abraçaram e choraram por algum tempo. Rory enxugou os olhos e disse:
– Sabe acabo de ter uma idéia…Não estou querendo tirar o lugar da sua mãe, nunca faria isso, mas eu pensei que se você me chamasse de mãe, quando quisesse, me ajudaria a aguentar as saudades do Julian e ao mesmo tempo você ensinaria ao bebê que eu sou a mamãe dele. O que você acha??
– Eu seria a irmã mais velha?? Igual a tia Emily que diz que manda no papai, por que é a irmã mais velha??- e Rory riu:
– Sim, você seria a irmã mais velha, auxiliar do Julian, não esqueça que ele é o mais velho de vocês, se você não se importar…
– Não, eu não me importo…Acho que vai ser bom, o Julian saber que eu também posso mandar no bebê.- e as duas riram.

Quando elas voltaram, vimos que apesar da crise inicial Olivia estava encantada com a noticia do novo bebê, e eu estava feliz, minha família iria aumentar.

o-o-o-o-o-

Novembro de 2012

– Bati!- disse animada enquanto colocava minhas cartas na mesa. Eu, Logan, Caleb e Megan estavamos jogando poker, e eram mulheres contra os homens, e eles perdiam de 3 a 1.
-De novo? Não é possivel, você está contando as cartas.- resmungou Logan e Caleb disse:
– Pior que não, elas estão com sorte. Precisamos reagir, Logan, ou vamos ficar sem as balas de goma, vão nos limpar.
– Podíamos ter apostado dinheiro ou compras, mas vocês estavam com medo de nos fazer chorar…- provocou Megan e antes que eu zombasse deles, a águia prateada de Emily entrou pela janela e disse:
– Rory em trabalho de parto…. Louise está com ela…Localizem o Ty… Mais um McGregor a caminho…
Logan rapidamente começou a preparar uma chave de portal, enquanto eu preparava Olivia para ir conosco ao Rio de Janeiro, ela estava super animada, afinal ela iria ver o bebê antes de Julian.
Quando aterrissamos na cidade maravilhosa, o calor infernal, nos tomou de assalto e já comecei a agradecer por usarmos roupas leves. Ao chegar no hospital, encontramos Miyako, Mad e Emily, andando de um lado a outro no corredor, nos abraçaram aliviadas e não foi surpresa ver Yulli e Sergei chegando logo atrás de nós.
– Então já nasceu??Quem ganhou o bolão??- perguntou Sergei e Yulli o cutucou rindo:
– Pára de pensar neste bolão, a saúde da Rory e do bebê é mais importante. E sou eu quem vai ganhar apostei em novembro. Vovó vai gastar tudo com você, tesouro. – disse Yulli, fazendo gracinha para Eicca e rimos.
– Por favor, façam silêncio, temos outros pacientes no hospital.- disse uma enfermeira nos olhando séria e pediu silêncio. Nos acalmamos um pouco, e Miyako, Emily e Mad iam nos relatando tudo que havia acontecido.
– Tio Scott está com ela lá dentro e o que me preocupa é que não achamos o Ty… Ela disse que vai se divorciar dele se ele não aparecer. – disse Miyako e nesta hora, Ty muito afobado, Gabriel, Griffon e Henry entravam fazendo muito barulho, e por coincidencia um medico bem jovem saiu da sala de parto, perguntando para a enfermeira:
– O marido da senhora McGregor já chegou?- e Ty se apresentou e o médico disse:
– Venha se lavar, a doutora Lupin, pediu que você entrasse na sala assim que chegasse, o bebê está quase nascendo…
-Aaaeeee! – começamos a gritar e a enfermeira nos olhou feio, fazendo shiiu.- rimos sem graça e Ty entrava para a sala de parto. Após algum tempo Ty e Scott sairam de lá, e meu filho estava pálido e Scott já foi logo dizendo:
– É uma menina linda, parece a Haley quando nasceu Alex…- e começamos a nos abraçar felizes, mas ao ver o jeito do Ty, perguntei:
– Como está a Rory? O que aconteceu??
– Não sei mãe…Tia Louise disse que eles estavam perdendo ela…Hemorragia. – e Olivia o abraçou perguntando:
– A minha nova mamãe vai morrer?- e vi o olhar de determinação nos olhos do Ty ao responder:
– Não filha, sua nova mamãe, não vai morrer. Tia Louise está cuidando dela e vai ficar tudo bem.- ficamos todos juntos, esperando, quando vimos Louise vindo em nossa direção, quando ela se aproximou, chegou bem perto do Ty segurou o rosto dele entre suas mãos e após o olhar séria, sorriu:
– Parabéns papai, sua mulher e sua filha estão bem, e já estão no quarto, já podem receber visitas. – começamos a comemorar e Louise falou alto:
– Hey, acalmem-se ou eu não libero as visitas hein? Griff, quero que use um pouco de magia de cura na Rory, ela perdeu muito sangue, porque o útero não se contraía e foi dificil de liberar a placenta, mas conseguimos estancar a hemorragia a tempo. – escutavamos atentos e Louise continuou séria:
– E agora o mais importante, e vital para que todos fiquem bem… Quem ganhou o bolão??- começamos a rir e quando pudemos entrar no quarto, vimos Rory sentada na cama falando baixinho com uma trouxinha enrolada em cor de rosa, e Ty com Olivia no colo se aproximou e a beijou reverente. Olivia pegou o coelho lilás e o colocou ao lado da bebê e perguntou para Rory:
– Posso anunciar mamãe?
– Sim, filha, você pode fazer o anúncio, do jeito que treinamos. – Olivia fez ham, ham e disse alto:
-Atenção pessoas! Conheçam o mais novo membro da nossa familia: Selene Montpellier McGregor e eu sou a sua irmã mais velha.
Demos um viva, mas logo nos contemos por causa dos outros pacientes, e estavamos muito felizes, a nossa familia estava aumentando mais a cada dia e pelo jeito todos seriam sempre unidos.

Começo de Outubro de 2008

Algumas memórias de Alex McGregor Warrick

– A Haley sumiu! – disse Logan tenso, assim que entrou em nosso quarto enquanto meus cabelos eram penteados pela minha neta Olivia de 4 anos. Como ela estava chateada porque estava com dor de garganta e não pode acompanhar nem Ty nem Jolie em seus compromissos, eu a estava distraindo brincando de salão de beleza, e já que eu era a sua cliente especial, ela estava usando alguns sprays coloridos em meu cabelo.
– Como a Haley sumiu? Ela não estava com você?- perguntei virando a cabeça e Liv me deu bronca:
– Não vou fazer seu cabelo de novo, tenho a agenda cheia vovó. – e dei-lhe um dos meus batons que ela estava de olho, e ela sossegou:
– Ela saiu para cavalgar pelo rancho, mas como achei que ela estava demorando muito, pensei que ela tivesse ido para o rancho de Annabeth como já fez antes e esqueceu de pedir, liguei para eles, mas ela não apareceu por lá. – enquanto ele terminava de dizer isso, eu já havia acenado a minha varinha e meus cabelos e meu quarto estavam de volta ao normal.
– Vou procura-la pela projeção astral, é mais rápido que uma busca.
Sentei-me na cadeira e logo o meu corpo astral viajava por toda a extensão do rancho, verifiquei os lugares onde ela poderia estar e a encontrei no fundo de uma mina abandonada, fora dos limites do rancho. Quando disse a Logan aonde nossa filha estava, ele rapidamente saiu de casa e foi busca-la. Fisicamente ela estava bem, mas minha filha estava diferente. No começo achei que fosse porque ela havia ficado com medo do escuro na mina, mas não era isso. Algumas vezes durante a semana ela batia na porta do nosso quarto e pedia para dormir junto conosco. Nós perguntavamos o que estava acontecendo, mas ela não contava nem mesmo ao Ty ou ao Ethan, que eram os seus confidentes, e isso estava me deixando preocupada, pois até o seu comportamento na escola havia mudado, e eu sentia que algo fazia minha filha sofrer.
Numa tarde, eu e Logan a levamos para La force, para fazer uma visita aos Chronos, pois Luky e Bella, os filhos de Emily e Griffon, estavam com catapora e queriam nos ver. Como Olivia ainda não havia tido a doença, ela ficou na escola, e depois ficaria com a nossa cozinheira, pois a mãe dela havia terminado a sua turnê e estava voltando para o rancho, onde se encontraria com o Ty, para sairem numa viagem de férias.
Após chegarmos na sede dos Chronos, e mimarmos Luky e Bella, com os presentes que levamos, ficamos na sala conversando com Griff, Emily Alucard e Mirian, enquanto Haley e Artemis foram para o quarto brincar, após um bom tempo elas voltaram para a sala, e pude ver pelos olhos da Haley que ela havia chorado. Antes que eu me aproximasse dela, Lu já estava ao seu lado e perguntou:
– O que você tem querida? O que foi que aconteceu?
– Eu sou uma aberração…- e começou a chorar desconsolada no peito de Lu, que a pegou no colo e se sentou com ela. Logan e eu estávamos aflitos ao redor deles, querendo saber o que estava acontecendo.
Ela esticou a mão e eu a peguei e perguntando:
-O que houve filha? Seja o que for nós vamos ajudar você… – depois de chorar mais ela disse:
– Eu vejo gente morta…Eu não sabia que eles estavam mortos, mas agora eu sei…As pessoas vão achar que eu sou esquisita…- e recomeçou a soluçar desesperada.
Ela devia estar sofrendo bastante, pois devido à empatia, Lu tinha os olhos cheios d’agua. Miriam se aproximou deles e lançou feitiços tranquilizantes, e logo os soluços de Haley foram diminuindo. Então ela nos contou que desde o episódio da mina, ela passou a ver espíritos de pessoas que haviam morrido e que algumas até pediam sua ajuda, mas Haley não sabia como ajuda-los sem correr o risco de ir parar num hospital de malucos. E que seus amigos não iriam querer ficar mais perto dela.
– JJ…Jam…Keiko..Hiro…e a Clara vão rir muito da minha cara, pai…- ela disse e foi para os braços do Logan.
Troquei olheres com Logan, pois finalmente haviamos entendido o que estava acontecendo com a nossa filha. Após ela ficar mais calma, explicamos que isso era um dom, poder ajudar as pessoas que já haviam morrido sem terminar seus assuntos, então que ela não deveria ter medo ou se considerar uma esquisita, pois seus amigos gostariam dela do mesmo jeito, afinal amizade verdadeira era assim, e até usamos a tranformação do Lu como exemplo.
Ficamos conversando por horas, e Lu estava nos explicando que este era um dos dons que Endora Beer, nossa antiga professora de Adivinhação, nos legou antes de morrer. Eu disse que nunca havia visto o espirito de ninguem , mas Lu me lembrou que eu havia visto o espirito de Kyle, quando ele morreu. Mas o dom se manifestou mais forte na Haley, no caso de Alucard algumas vezes, ele tinha premonições. Estavamos distraídos, quando de repente Seth entrou correndo na sala e ele estava extremamente tenso. Lu e Griffon automaticamente ficaram alertas e ele veio para o meu lado:
– Tia Alex, estão precisando da senhora no rancho.
– O que aconteceu?- perguntou Logan e Seth respondeu:
– Aconteceu uma coisa muito ruim, e vocês precisam ir para casa.- e eu o olhei assustada. Vi que Seth e Lu trocaram olhares, mas eles bloquearam a mente para que eu não soubesse o que havia acontecido e isso era muito ruim.
Conjuramos nossas capas e logo Logan, Haley e eu entravamos na lareira, junto com Alucard e chegavamos em casa. Quando cheguei lá, a cozinheira veio correndo em minha direção, e ela estava chorando:
– O que aconteceu Consuelo? Cadê Olivia?- perguntei.
– Ela estava na escola, acabamos de busca-la…
– Como acabaram de busca-la? Ela deveria estar em casa há horas…- disse Logan nervoso, depois de olhar seu relogio.
– Eu ia pega-la no horario marcado, mas a senhora Jolie chegou mais cedo e foi busca-la na sua caminhonete, como ela demorou achei que elas tinham ido tomar sorvete, como a senhora costuma fazer com a pequena. Agora há pouco, ligaram da escola dizendo que haviamos esquecido a Olivia na escola, quando eu fui para lá, com o capataz, não conseguimos passar porque tinha havido um acidente…Houve uma explosão num duto de gáz…E…e nós reconhecemos o seu carro dona Alex… Tinha muita gente machucada… e alguns mortos…
– O meu Merlim…Como esta Jolie? Ela está bem??Qual hospital ela está??Logan, Lu…, chamem a Miriam, ela pode ser necessária…- comecei a dizer freneticamente enquanto lágrimas caiam pelo meu rosto, quando Lu disse com a voz embargada, me segurando pelos ombros:
– Nem todo o poder de cura de Miriam pode ajudar a Jolie agora, Alex. Ela se foi. Precisamos agora cuidar da Olivia e do Ty…- e nesta hora a porta da frente bateu e a voz do Ty ecoou pela casa:
– Estou em casa e estou faminto…Cadê todo mundo?

1º de Novembro de 2012

Ainda era muito cedo, até mesmo para o inicio do meu plantão, quando fui acordada por insistentes bicadas na janela de vidro do meu quarto. Remo sequer se moveu na cama quando levantei e abrindo as cortinas, vi que era uma das corujas de emergência de Hogwarts. Abri a janela nervosa, pois já havia reconhecido bem antes a letra de Yoshi, que por ser o diretor da Sonserina denunciava que o problema era com Clara. Abri a carta em sua pata tão depressa que quase a rasguei.

– Remo! – deixei a carta cair no chão ao terminar de ler e corri de volta para a cama – Temos que ir a Hogwarts agora!
– O que aconteceu? – ele se assustou com a violência com que o sacudia – Clara está bem?
– Não.

ººººº

Conseguir uma chave de portal antes das 6 da manhã não era tarefa fácil, mas quando se tem como amigo um Ministro da Magia, regras em situações de emergência podem ser quebradas. Depois de avisar a Scott e Gabriel sobre o que estava acontecendo, nós mesmos criamos a nossa e partimos para Hogwarts, enquanto meu filho usava uma para ir até Paris, dizendo saber onde conseguir ajuda.

Quando pisei na ala hospitalar da escola com Remo e Scott, a primeira visão que tive foi de minha filha desmaiada em uma cama, ao lado de uma bandeja lotada de frascos de poções que nem precisava chegar perto para saber que eram calmantes. Remo notou minha expressão quando assimilei a imagem dela aos frascos e segurou minha mão, mas tarde demais.

– Por que minha filha está dopada? – foi a primeira coisa que perguntei, sem me preocupar em ser educada.
– Sua filha apresentava perigo, Sra. Lupin – a enfermeira veio ao nosso encontro, ofendida – Não podia arriscar deixá-la se transformar outra vez.
– Suma com estes frascos daqui. Se der mais alguma poção calmante a minha filha, vai perder sua licença.
– Louise, se acalme – Remo falou mais controlado, me puxando para perto da cama onde ela estava.
– Calma coisa nenhuma, olhe o estado dela! – esbravejei, furiosa e as crianças se assustaram. Estavam todas sentadas nas camas ao redor – George, ela é sua sobrinha! Como deixou que fizessem isso?
– Lou, eu não tive escolha, McGonagall deu a ultima palavra – meu irmão tentou se justificar.
– Lou, por favor, se acalme – Ben interveio – Estávamos aqui o tempo todo a vigiando, se notasse algo de diferente, não deixaríamos que ela desse outra poção.
– Alguém pode explicar o que aconteceu aqui? – Remo falou sentando na cama ao lado dela, alisando seu cabelo – Como isso aconteceu?
– Meninas?

George olhou para Haley, Keiko e Artemis, que pareciam assustadas demais com tudo aquilo, mas começaram a relatar tudo que havia acontecido na noite anterior, onde as quatro resolveram se aventurar pela Floresta Negra no meio da noite. Ouvia a tudo sem interromper, até mesmo indiferente ao fato de que estavam fazendo algo proibido e perigoso, apavorada demais com a idéia de que minha filha havia virado um lobo sem qualquer explicação plausível. E mesmo depois de ouvir tudo e discutirmos possibilidades, ninguém parecia se aproximar de nada justificável.

Passei a manhã inteira sentada ao lado dela na cama, com sua cabeça em meu colo, esperando que o efeito de todas aquelas poções passasse depressa e ela pudesse acordar. Cada minuto que via minha filha desmaiada daquela forma aumentava mais a vontade de voar no pescoço da enfermeira. Remo sabia disso, e não saiu do nosso lado o tempo inteiro. George, Ben e as crianças também não foram a lugar algum, embora a enfermeira tenha tentado expulsar as crianças de volta pra seus salões comunais, mas não deixei que elas saíssem e ela não insistiu mais.

– Mãe? Pai? – ouvi a voz fraca de Clara de repente, quando já passava da hora do almoço.
– Sim, estamos aqui – respondi alisando seu rosto, aliviada por ela ter acordado – Como está se sentindo?
– Enjoada e um pouco tonta – ela fez uma careta dolorida – Não gosto dessas poções.
– Você não vai mais tomar nada – Remo respondeu.
– Cadê o meu irmão? – ela perguntou ao olhar rápido ao redor e não encontrar Gabriel.
– Estou bem aqui, pirralha – Gabriel apareceu na porta da enfermaria ao lado de um homem loiro e um garoto da idade das crianças. O homem sabia que era Ian Lafayette, amigo de escola, mas o garoto não conhecia – Como você está? Agüentando o tranco? – e Clara fez uma careta e sinal de mais ou menos com as mãos, fazendo as crianças rirem.
– Onde você estava? – perguntei de imediato.
– Ele foi me procurar, Sra. Lupin – Ian respondeu por ele, se aproximando com as mãos apoiadas no ombro do garoto – Eu sei o que aconteceu a ela, posso ajudar.
– Você sabe por que eu virei um lobo ontem? – Clara se ajeitou na cama, agitada. Ele confirmou com a cabeça.
– Tudo bem, pode falar na frente de todos eles – Remo indicou as crianças com a cabeça, quando elas ficaram tão agitadas quanto Clara – Ela vai contar tudo a eles de qualquer forma.
– Ok então – ele riu quando elas comemoraram batendo as mãos – Clara é uma semi-lobisomem. Ela herdou as características de um lobisomem, mas não todas. A grande diferença é que ela tem o poder sobre isso, é ela quem controla as transformações.
– Mas eu não queria isso ontem – ela o interrompeu – Nem sabia que podia fazer isso, não controlei nada.
– Porque foi sua primeira transformação. Começa quando o semi-lobisomem completa 13 anos. Você não começou a se sentir diferente depois que fez 13 anos? – ela confirmou com a cabeça e lembrei dos incidentes em casa – Não há como prever quando será a primeira transformação, só que será a partir do seu 13º aniversário. Mas a primeira vez sempre acontece quando você está sob forte estresse, em alguma situação onde não consiga controlar suas emoções.
– Tinha um lobisomem rosnando pra gente na hora.
– O medo e a raiva são as emoções mais vulneráveis a isso. Sempre que você estiver com muita raiva de alguma coisa, se não souber controlar isso, vai se transformar em um lobo – Remo e eu nos olhamos assustados e ele riu – Calma. Como disse, há como controlar isso. Clara vai ter que aprender a manter o controle sob suas emoções. Uma vez que conseguir isso, é ela quem vai determinar quando quer se transformar.
– E pra voltar ao normal só tenho que me acalmar? – ela perguntou.
– Enquanto não souber controlar o botãozinho de liga e desliga, sim.
– Não foi coincidência ser justamente uma noite de lua cheia, não é? – Remo perguntou, mas já sabíamos a resposta.
– Não. Embora ela não tenha que obrigatoriamente se transformar nelas, as noites de lua cheia a afetam. Ela vai ficar mais vulnerável, qualquer coisa por mais simples que seja pode causar a transformação. Até que você aprenda a controlar isso, é extremamente importante que não deixe nada a irritar, principalmente na lua cheia.
– Como você descobriu isso tudo? – perguntei intrigada.
– Porque até ontem, só existia um semi-lobisomem de conhecimento do Ministério no mundo bruxo – e apertou o ombro do garoto que estava com eles – Este é Devon. Ele tem 14 anos e se transformou pela primeira vez ano passado.
– Vamos deixar vocês conversando, aposto que Clara tem muitas perguntas a fazer ao Devon – Gabriel falou indicando a porta com a cabeça e entendemos que queriam conversar longe das crianças.

Ainda nem havíamos saído da enfermaria quando Clara começou a encher o menino de perguntas, e como ele só falava francês, servia de tradutora para os que não sabiam, que pareciam ter tantas perguntas quanto ela. Paramos nos bancos que tinham do lado de fora e Ben fechou a porta quando passou.

– Ok, qual é a parte da história que Clara não pode ouvir? – perguntei logo.
– É realmente importante que ela aprenda a controlar isso, o mais rápido possível, ou pode apresentar risco aos alunos – Gabriel foi quem respondeu e Ian assentiu com a cabeça.
– Clara deu sorte de ter tido um lobisomem como causador de sua primeira transformação – Ian começou a falar – No caso de Devon foi diferente e ele acabou matando um garoto de 13 anos. Eles não perdem o controle da mente quando estão em forma de lobo, mas se na hora em que se transformar estiver sob forte estresse, podem esquecer quem são. O garoto o provocou e quando ele se deu conta, era um lobo e estava em cima do corpo sem vida dele.
– Ai que horror! – Scott exclamou horrorizado – E como vocês o encontraram?
– A família de Devon foi meu primeiro caso de verdade no St. Napoleon. Eles foram atacados por uma matilha de lobisomens enquanto acampavam e a mãe foi mordida quando ainda estava grávida dele. Conseguimos salva-lo, mas ela morreu, e como ninguém sabia quais seriam os efeitos que isso teria sobre ele, o mantemos sob vigilância todos esses anos. Ele é meu protegido, e quando atacou o garoto, Dominique estava por perto. Não conseguiu ser rápido o bastante para salvar o menino, mas nos alertou sobre o que tinha acontecido e desde então temos estudado tudo sobre o assunto, até que conseguimos chegar a todas essas conclusões. Como nunca ouvimos falar de nenhum outro caso como esse, o Ministério ficou com todos os dados que tinham conseguido e o registrou como o primeiro semi-lobisomem da história.
– Ele tem acompanhamento psicológico uma vez por semana, mãe – Gabriel respondeu a pergunta que estava querendo fazer.
– Sim, ele ficou muito assustado com tudo que aconteceu e foi preciso muitas horas gastas em terapia para que ele superasse o trauma de ter matado aquele menino, mas Devon está ótimo agora. Tem total controle sobre seu dom e vive uma vida normal. Ele ainda recebe a visita da psicóloga na escola apenas porque acho mais prudente não interromper por enquanto.
– Então ela deve manter a rotina? – Remo perguntou – Não devemos fazer nada de diferente?
– Não, é muito importante que ela não saia da rotina. Claro que agora precisa de uma atenção especial, até que possa controlar isso sozinha, mas sem sair da rotina. Ela ainda é uma garota normal, com um dom.
– Então o plano é mantê-la calma. Tarefa difícil. – Ben falou e acabamos rindo.
– Não se preocupem, ela vai ficar bem. Devon adora ter esse poder e se a Clara que conheci nas férias ainda é a mesma, ela também vai adorar a novidade.
– Ah eu não tenho duvidas disso, e é ai que mora o verdadeiro perigo.

Todo mundo riu da minha cara de desespero com a possibilidade de Clara ter total controle sobre o que era, claramente, animagia sem esforço, e voltamos para a enfermaria. As crianças estavam em um papo animado quando entramos, falavam todas ao mesmo tempo em inglês e francês e riam alto. Clara já não aparentava mais estar sob o efeito dos calmantes e lembrava muito mais a garota alegre e cheia de energia que sempre foi. Ian tinha razão, ela já estava adorando ser uma semi-lobisomem.

Agosto/Setembro de 1979

– Como estou?
– Igual a um pingüim.

George fez uma careta na frente do espelho e ajeitou a gravata mais uma vez, saindo para me dar espaço para terminar de me arrumar. Era o dia do casamento de Julian e Chelsea e seriamos padrinhos, George junto com Susan e eu junto com Brendan. Ninguém acreditou que esse um dia chegaria, mas foi George que ganhou o bolão que fizemos, com a aposta de que Julian casaria antes dos 30. Eu apostei que nunca e Brendan que seria em outra encarnação. A cerimônia seria na igreja Saint Bartholomew-the-Great, uma das mais antigas de Londres.

– Estão todos prontos? – vovó entrou no quarto já arrumada e linda – Louise, ainda está sem sapatos? Já estão todos esperando, até Susan está pronta! O carro vai sair em 10 minutos, se apresse.

Expulsei George do quarto para que conseguisse terminar de me arrumar e em menos de cinco minutos já estava na sala, ao lado da família toda pronta esperando para sair junta. Chegamos à igreja alguns minutos depois e Susan e Brendan já estavam lá com meus tios, mas a primeira pessoa que vi quando desci do carro foi Julian. Ele estava muito bonito de terno e parecia extremamente nervoso. Sorria para as pessoas de um modo um pouco assustador, mas à medida que íamos conversando com ele e falando bobagens ele foi relaxando, e na hora que a cerimônia começou ele era o noivo mais empolgado que já existiu. Era inacreditável que aquele dia finalmente tivesse chegado. O primeiro primo estava casado, agora restavam quatro.

ººººº

O casamento de Julian e Chelsea em Agosto havia sido o evento do ano para a família. Parentes que não via há anos estavam presentes na cerimônia e a festa foi simplesmente divina. Até Remo, que assistiu a cerimônia ao lado do meu avô materno, se divertiu como nunca. Dançamos até fazer bolha nos pés e eu e Susan bebemos além da conta, mas ninguém passou mal e todos sobreviveram à noite sem incidentes. Brendan aproveitou a ocasião para apresentar sua nova namorada, Penélope, e ele jurava que ela era diferente das outras e não estava começando o namoro com um prazo de validade.

Mas entre o casamento de Julian e as visitas constantes a Scott na Suécia, o mês de Agosto passou como um raio e logo me vi parada em frente à fachada da loja de departamentos Purga & Sonda LTDA, às 7 horas da manhã do dia 1º de Setembro, dividida entra entrar e respirar. Era o primeiro dia da minha residência.

– Não sabe como entrar? – ouvi a voz conhecida de Sam e virei para o lado. Abri um enorme sorriso ao me lembrar que não estava sozinha.
– Sei, mas estava tentando me lembrar como se respira antes – falei um pouco nervosa e Sam riu.
– Eu vim assoprando dentro de um saco de papel no ônibus. Achei melhor vir de ônibus, assim teria mais tempo para me acalmar do que se aparatasse – ela explicou quando me espantei ao ouvir a palavra “ônibus”.
– Bom, nós nos matamos de estudar para estarmos aqui, não vamos nos limitar a calçada – dei um passo a frente e ela me acompanhou – Vamos entrar.
– Estamos aqui para começar o nosso estágio – Sam se aproximou mais e falou com o manequim que ficava dentro da vitrine velha e empoeirada.

A manequim moveu a cabeça de leve e em seguida Sam e eu havíamos atravessado o vidro, sem que nenhum trouxa pudesse notar que duas pessoas tinham acabado de desaparecer do nada. Ao chegarmos do outro lado não havia mais sinal da manequim, apenas uma recepção muito tumultuada. Haviam fileiras de bruxos e bruxas sentados em cadeiras de madeira aguardando para serem atendidos, cada um com o mais esquisito tipo de doença ou reação a feitiços, como uma bruxa com o rosto suado no centro da fileira da frente que estava abanando a si mesma vigorosamente com uma cópia do Profeta Diário, enquanto um assobio com um vapor preto saia torrencialmente pela sua boca; um outro bruxo aparentando estar sujo, no canto, ressoava como um sino a cada vez que se movia e com cada som sua cabeça vibrava horrivelmente, tanto que ele teve de agarrar a si mesmo pelas orelhas e segurá-la fixamente.

Bruxos e bruxas em jalecos verde-claro andavam para cima e para baixo nas fileiras, fazendo perguntas e fazendo anotações em pranchetas, e todos tinham o mesmo emblema bordado em seus peitos: uma varinha e um osso cruzados. Ficamos paradas no meio daquele caos, observando os curandeiros trabalhando, e levamos uma série de trombadas de pessoas que passavam apressadas pela recepção. Era tanta gente correndo de um lado para o outro que estava ficando tonta só de olhar. Ficamos um bom tempo paradas no mesmo lugar, até que uma voz enérgica nos tirou do transe e voltamos à realidade. Uma mulher de estatura mediana, cabelos curtos e ruivos e grossos óculos redondos estava parada na nossa frente, com uma prancheta na mão.

– Novas internas? – assentimos com a cabeça e ela indicou o balcão com a mão livre – Por aqui.

Caminhamos desviando das pessoas para não perdê-la de vista e paramos onde ela mandou, ao lado de mais quatro pessoas com as mesmas expressões assustadas que as nossas, e logo deduzimos que eram os outros internos. Entre elas estava Mirian, que parecia muitíssimo aliviada em nos ver e logo correu para o nosso lado. A mulher gritou alguma coisa com o homem que cuidava da recepção e ele saiu apressado, e então ficou de frente para o nosso grupo. Do meu ponto de vista, naquele momento ela era um leão diante de 6 cordeiros assustados, esperando o momento do ataque.

– Meu nome é Dra. Weaver, sou a chefe da emergência do St. Mungus e vou fazer um tour rápido pelo hospital com vocês, tentem me acompanhar e guardem as perguntas para o Curandeiro que ficara responsável pelas suas avaliações – ela saiu andando depressa e corremos para acompanha-la – Aqui no térreo cuidamos dos acidentes com artefatos mágicos, tais como explosões de caldeirões, problemas com varinhas e quedas de vassoura. No 1º andar cuidamos dos ferimentos provocados por criaturas, como mordidas, envenenamento, queimaduras, espinhos encravados – a cada novo andar, ela corria escada acima com uma agilidade chocante e corríamos atrás dela para não perder nada – Aqui no 2º andar ficam concentrados os casos de acidentes mágicos, que incluem doenças contagiosas, catapora de dragão, doença do desaparecimento, furúnculus, entre outros. No 3º andar vocês irão cuidar de casos de envenenamento por poções ou plantas, onde são tratadas erupções na pele e regurgitações. No 4º andar ficam os danos causados por magia, que incluem azarações problemáticas, maldições, aplicação incorreta de feitiços, são os nossos pacientes que ficam internados por muito tempo, às vezes por anos – ela subiu um último lance de escada sem sequer apresentar cansaço, embora eu e todos os outros cinco estivéssemos suando – E aqui no 5º andar fica o Salão de chá para os visitantes e a lojinha do hospital. Se forem pegos aqui fora do horário de descanso, perdem suas vagas. Voltem para a recepção, os Curandeiros que os guiaram a partir de agora os encontrarão lá.

A mulher desapareceu escada abaixo e ficamos nos encarando por alguns segundos, tentando recuperar o fôlego, até que um dos garotos saiu na frente a seguindo pela escada e fizemos o mesmo. Não tinha ninguém na recepção quando chegamos, além do homem que trabalhava lá, e notei uma placa bem no alto da parede, com toda a descrição que ela havia acabado de nos dar do hospital. No final da tabela, tinha um aviso: “Se você não tem certeza aonde ir, não consegue conversar normalmente ou não se lembra de porque está aqui, nossa recepção vai ter o prazer de ajudá-lo”.

– Acho que vamos vir muito aqui na recepção – Sam comentou também lendo o quadro e rimos.
– Ah, novos internos! – ouvimos a voz de um homem bastante empolgado e viramos todos ao mesmo tempo – Eu sou o Dr. Benton e esse é a Dra. Lockhart, seremos seus supervisores durante o estágio de residência.
– Storm, Wood e Capter, vocês ficam comigo hoje – a Dra. Lockhart leu nossos nomes na ficha e sorriu gentil – Carter, McCrane e Taggart, com o Dr. Benton. No fim do dia vamos ver quem atendeu mais pacientes e aprendeu mais sobre a profissão, homens ou mulheres.
– Bem vindos à residência – o Dr. Benton nos atirou nossos jalecos verde-claro com o emblema do St. Mungus – O sonho começa agora.

Entreolhamos-nos empolgados e ansiosos enquanto vestíamos os jalecos e saímos atrás dos nossos supervisores do dia para começar as rondas e os observar atender os pacientes, antes de começarmos a nós mesmos fazer isso. Vestindo aquele jaleco com a varinha e o osso cruzados e com meu nome logo embaixo, percebi que nunca tive tanta certeza do que queria ser na vida como tinha naquele momento. Dr. Benton tinha razão, o sonho estava começando.

“Quando somos crianças, somos um pouco de cada coisa. Artista, cientista, atleta, astronauta. Às vezes parece que crescer é desistir destas coisas, uma a uma. Todos nós nos arrependemos por coisas das quais desistimos, algo de que sentimos falta, de que desistimos por sermos muito preguiçosos, por não conseguirmos nos sobressair ou por termos medo. Mas às vezes, quando menos esperamos, as coisas das quais desistimos no passado nos dão uma segunda chance e tudo que temos que fazer é agarrá-la e não deixar escapar outra vez. Passei sete anos em Hogwarts tentando descobrir quem eu era e o que deveria ser, mas na verdade tudo que eu precisava era somente duas semanas na companhia da minha avó para perceber que desde que eu era criança, já tinha a resposta para essa pergunta.”

Agosto/Setembro de 1979

– O senhor não deve ultrapassar esse perímetro – o auror estendeu os braços, indicando a área demarcada por uma linha quase invisível – Se o fizer, nós saberemos.
– E se eu acidentalmente esbarrar na linha? Quase não é possível enxergá-la, posso andar pelo quintal e passar da área sem saber.
– Um alarme irá disparar assim que tocá-la e terá 15 segundos para retornar para dentro do perímetro. Se o alarme não parar dentro de 15 segundos, uma equipe de aurores irá aparatar aqui e levá-lo sob custodia. Entendido, Sr. Foutley?
– Sim, entendido.
– Nosso trabalho aqui está terminado – o homem se virou para meu pai e lhe estendeu a mão – Ministro, desculpe qualquer inconveniente, mas é o nosso trabalho.
– Não precisa se desculpar, eu entendo perfeitamente.

Papai apertou a mão dos aurores presentes e eles desaparatam em seguida, nos deixando sozinhos. Eu e meu pai, sozinhos. Era uma imagem que iria se repetir durante os três meses que fora condenado à prisão domiciliar por usar maldiçoes imperdoáveis por duas vezes e atacar um auror no enterro de minha mãe. Ele revisou as ordens do juiz comigo mais uma vez e se despediu, desaparatando também para o trabalho e me deixando sozinho naquela casa imensa. Seriam três longos meses…

ººººº

O começo dos meses que prometiam serem meus três meses de inferno astral não foi tão ruim quanto eu pensava. Megan, Wayne e Karen ainda tinham algumas semanas antes de voltarem para Londres e me abandonarem na Suécia e meus amigos, ainda livres antes que seus estágios e novos estudos começassem, estavam sempre presentes na casa. A mansão nunca esteve tão barulhenta, nem mesmo quando reuníamos a família para ocasiões especiais. Mas a bagunça diária só durou até dia 31 de Agosto e depois todos voltaram para suas casas e vidas, e eu novamente me vi sozinho em uma casa muito grande. Claro que não estava 100% sozinho, tinham os empregados que circulavam de um lado pro outro o dia inteiro e apesar de Karen estar presa em Hogwarts e Wayne e Megan atolados na Academia de Aurores, Louise, Yulli, Alex, Sam, Mark, Lu e Ben, que agora havia se tornado meu namorado, faziam esforços para virem sempre nos finais de semana, de modo que minhas horas de tédio ocorriam somente de segunda a quinta.

Já havia tentado de tudo para passar o tempo mais rápido, mas nada parecia funcionar. Toda tarde ia para o jardim e brincava de atirar pedrinhas na linha que marcava meu limite no meu próprio quintal, mas ela nunca disparava. Talvez estivesse enfeitiçada para somente disparar se entrasse em contato com a minha pele, mas três meses desse castigo já eram o suficiente para que eu fosse lá me arriscar para tirar a prova. Quando não estava no quintal olhando fixamente a linha de restrição, estava trancado no quarto tentando me manter distraído. Não havia uma única gaveta na casa que ainda não tivesse sido aberta, um único quadro torto ou tapetes com dobras. Inconscientemente, estava me transformando na minha avó paterna.

À medida que o mês de Setembro chegava à sua metade, casa já estava cheia de casinhas de comida pra passarinho e origamis e já sabia até os detalhes mais sórdidos da vida de todos os empregados. Havia acabado de receber uma coruja de Karen dizendo que viria passar o final de semana comigo quando alguém bateu na porta. Corri para atender e me surpreendi ao dar de cara com minha avó Margareth, carregando uma mala na mão. Ela largou a mala no chão quando me viu e abriu os braços, para onde eu imediatamente me joguei e a envolvi em um abraço apertado.

– Vovó Maggie, o que está fazendo aqui? – perguntei surpreso, ainda abraçado a ela.
– Seu pai disse que estava passando tempo demais sozinho, então vim passar uns dias com o meu neto. Aceita minha companhia?
– Vovó, eu aceitaria até a companhia do Wayne, e eu não gosto dele. Eu amo a senhora, então não precisa nem perguntar!

Vovó riu e beijou minha testa, entrando na casa. Peguei sua mala depressa e num instante a acomodei no quarto de hospedes, puxando-a de volta para a sala para conversarmos. Adorava conversar com a minha avó, ela não era uma avó tradicional, era descolada. Claro que ela também era conservadora em algumas coisas, mas não deixava de se manter atualizada sobre todos os assuntos. Com ela aqui, podia passar o dia inteiro no sofá apenas falando, que sabia que o tempo ia correr. Os dias de tédio haviam finalmente chegado ao fim.

ººººº

– Scotty, querido, veja se o bolo já está pronto.
– Opa, é pra já, vovó!

Desci do balcão onde estava sentado e fui conferir o bolo que estávamos preparando. O cheiro que se espalhou pela cozinha quando abri a porta do forno e nem teria sido necessário espetar ele pra ter certeza que estava perfeito. Tirei a forma e coloquei em cima da mesa, quase embriagado pelo cheiro maravilhoso de chocolate.

– Pelo cheiro, está pronto – vovó riu da minha cara admirando o bolo e pegou vários apetrechos da gaveta – Vamos confeitar?

Lavei as mãos na pia e voltei pra junto dela, ajudando a confeitar o bolo pro aniversário do meu pai. Também havíamos preparado todo o jantar, já que à noite íamos receber meu avô Jeffrey e meus avôs paternos Harold e Martha, além de Karen, Wayne e Megan. Desde que vovó havia chegado para me salvar do tédio, passávamos a maior parte do dia na cozinha. Vovó amava cozinhar, era sua maior paixão, e eu estava descobrindo que também sabia pilotar o fogão com muita habilidade. Lembro que quando era pequeno e passava férias na casa dela sempre a ajudava com coisas simples na cozinha, mas Wayne dizia que aquilo era coisa de menina e ia contar pra todo mundo que eu usava avental, então passei a sempre inventar uma desculpa quando vovó me pedia ajuda, até que ela um dia desistiu. Mas agora que já não me importava mais com a implicância de Wayne ela estava empenhada em me ensinar suas receitas mais complexas, aquelas que ninguém além dela sabia fazer, cheias de mistérios e ingredientes secretos. E eu estava adorando.

O cardápio do jantar era composto por dois tipos de saladas e quiche para a entrada, vitela ao molho branco e Bouillabaisse como pratos principais e crepes flambados para sobremesa, além, é claro, do bolo de chocolate, o favorito do papai. Para beber, nada além de vinho e água. Se íamos ter um jantar com culinária francesa, não poderíamos deixar de beber vinho. Terminamos de decorar o bolo depois de meia hora e deixamos tudo pronto na cozinha, voltando para a sala. Atirei-me no sofá, cansado, e vovó sentou na poltrona, me olhando e sorrindo.

– O que foi, vovó? Estou sujo de glacê? – passei a mão no rosto e ela riu.
– Não, estou apenas aqui pensando que talvez meu neto seja um chef nato e não saiba.
– Eu? Chef nato? – agora quem ria era eu – Como um chef vai flambar alguma coisa com medo daquele fogaréu?
– Com o tempo você pega a pratica nisso. Você tem muito talento, sabia? Eu não fiz praticamente nada aqui hoje, apenas o guiei e você fez tudo sozinho.
– Sabe que eu até gosto de cozinhar? – admiti – Tenho me divertido muito esses dias com a senhora, descobrindo todos os seus truques na cozinha. Sabe vovó, já viajei muito com meu pai, fui a muitos países e conheci milhares de restaurantes renomados, mas nenhum deles tinha uma comida tão boa quanto a sua. Por que nunca abriu um restaurante?
– Ah, esse sempre foi meu maior sonho, mas imagine uma mulher em 1932 como chef de um restaurante? Consegue imaginar isso? – sacudi a cabeça negando e ela riu – Era impossível na época e meu pai teria enfartado se isso acontecesse. Minha paixão pela cozinha começou por causa dele, ele era dono de um restaurante muito concorrido, eu cresci na cozinha daquele lugar. Lembro como se fosse ontem do chef que condizia o restaurante, Chef Angus. Era um francês mal humorado, mas que me ensinou tudo que sei sobre hoje. Ele me dava aulas escondido do meu pai, começou quando eu tinha 13 anos e implorei para trabalhar com ele na cozinha. Ele sabia que meu pai nunca ia permitir e o demitiria se soubesse das aulas, mas ele disse que minha vontade de aprender era tão grande que ele não poderia negar.
– Meu bisavô nunca descobriu que você tinha aula de culinária na cozinha do restaurante dele?
– Não, nunca. E se descobriu, guardou para ele, porque Angus nunca foi demitido, só deixou o restaurante quando se aposentou. Meu pai deixava o restaurante sob o comando de Angus e minha mãe e ia para o seu segundo trabalho, então eu aproveitava e grudava nele, para aprender tudo. Isso durou dos meus 13 anos até os 18, quando fui para a faculdade estudar Psicologia. Sabia muito mais de culinária do que da mente das pessoas, mas nunca cheguei a trabalhar com isso. Toda minha experiência foi posta em prática apenas nos jantares de família.
– Ah vovó, que desperdício de talento, não é justo!
– Então para evitarmos outro desperdício de talento, por que você não abre um restaurante? – me espantei com a sua pergunta – Talento você tem de sobra.
– Até que seria legal ter um restaurante – me peguei aceitando a idéia – Usar aquele chapéu engraçado e tudo mais.
– Espere um instante, já volto.

Vovó levantou da poltrona e foi até a cozinha, voltando logo em seguida com um caderno na mão. Logo reconheci como sendo seu lendário caderno de receitas, pela aparência antiga e grossura. Era um caderno que ela anotava todas as receitas que tinha aprendido desde que começou a cozinhar e também tinham muitas criadas por ela própria. O caderno era tão velho que algumas páginas já estavam rasgando, era uma verdadeira relíquia. Ela parou ao meu lado e depois de alisar sua capa poída uma última vez, o estendeu pra mim.

– Quero que fique com isso.
– O que? – me espantei, pegando o caderno com certo receio – Não vovó. Não posso ficar com o seu caderno.
– Claro que pode. Não preciso mais, já seu todas as receitas sem precisar consultá-lo, mas você pode fazer bom uso dele caso um dia decida abrir seu restaurante.
– Mas… Você adora esse caderno.
– Sim, mas vou adorar ainda mais vê-lo sendo útil para algo mais que jantares de família – eu ainda estava relutante, então ela sentou ao meu lado no sofá – Vamos fazer uma troca então. Você fica com o caderno e me faz um favor, pode ser?
– O que você quiser, vovó.
– Ter meu próprio restaurante era meu maior sonho, mas também sonhava em escrever um livro de culinária – ela falou sonhadora – Prometa pra mim que um dia, não importa se daqui a 5, 15 ou 50 anos, irá escrever um livro compartilhando as receitas criadas nesse caderno. Se prometer realizar esse meu desejo, pode ficar com o caderno.
– Pode considerar seu desejo realizado, vovó – olhei para o livro em minhas mãos e sorri – Quando eu for um chef famoso e tiver meu próprio restaurante, vou escrever um livro sobre a mulher que me ensinou a cozinhar e suas receitas magníficas.
– Tenho certeza que sim, Chef Scott – ela sorriu e me abraçou, levantando em seguida – Agora melhor tomarmos banho, os convidados começarão a chegar dentro de uma hora.

Levantei do sofá também e subimos para os quartos. Carregava o livro nas mãos como se fosse um tesouro, e na verdade ele era, então o guardei com muito cuidado dentro da minha gaveta de roupas antes de tomar banho e descer já arrumado para esperar o resto da família para o jantar. Papai ficou muito feliz com a bagunça que fizemos e todos ficaram um pouco chocados ao descobrirem que o jantar tinha sido feito por mim, mas ignorei as provocações de Wayne e me diverti com a minha família como nunca pensei que poderia me divertir, sem a presença da minha mãe. A noite acabou sendo a mais agradável dos últimos anos, agora que meu futuro não me preocupava tanto. Eu finalmente tinha um plano.

Estava tomando meu café em casa antes de ir para o trabalho e fui interrompida por uma coruja, que entrou voando pela janela aberta e deu um rasante na bancada da minha cozinha, largando um envelope ao lado do meu prato. Não foi nem preciso um olhar mais atento para saber que aquela era uma das corujas de Hogwarts e ao pegar o envelope, o brasão que selava o pergaminho confirmou minha suspeita. Rasguei o envelope e a carta era curta, mas as poucas palavras que McGonagall havia escrito foram suficientes para acabar com meu bom humor matinal. Dobrei o papel outra vez e atirei no balcão, empurrando o prato de frutas para o lado. Remo apareceu na cozinha logo depois e percebeu minha mudança de humor.

– O que foi? – perguntou preocupado – Aconteceu alguma coisa?
– Sim – peguei a carta outra vez e estendi a ele – Ligue pro escritório e diga que precisa de ausentar hoje, nós vamos até Hogwarts.

Ele me olhou sem entender, mas quando leu o conteúdo da carta, também perdeu o humor depressa. Dessa vez ela não ia escapar ilesa.

*****

– Louise, Remo! – fomos recebidos por um sorridente Hagrid assim que pisamos nos terrenos da escola – Quanto tempo não vejo vocês! O que trazem os dois até Hogwarts?
– Uma filha que aparentemente não tem limites – respondi irritada e Hagrid riu.
– Clara andou aprontando e McGonagall pediu que viéssemos conversar com ela – Remo explicou.
– Ah sim, ela e os outros são bem levados mesmo, estão sempre metidos em confusão e cumprindo detenção – ele denunciou o bando – Eu mesmo já apliquei uma outro dia, me ajudaram a cuidar dos animais na floresta.

Hagrid ia nos acompanhar até o castelo, mas paramos ao ouvir um estampido vindo de Hogsmeade. Depois outro, e mais outro, e assim foi por quase 2 minutos. Alex, Logan, Yulli, Segei, Lu, Mirian, Sam, Josh e Quim entraram um por um nos terrenos da escola e balancei a cabeça, incrédula. Então aquela visita não seria apenas por causa da Clara, mas sim porque todos estavam passando dos limites. Eles já vinham caminhando rindo ao perceberem que estávamos todos reunidos ali pelo mesmo motivo e Hagrid nos acompanhou até o escritório de McGonagall.

A diretora já estava nos esperando e entrar naquele escritório e vê-la nos encarando com um ar tão severo fez com que me sentisse com meus 16 anos outra vez. Descobri que por mais que o tempo tivesse passado e não fosse mais uma adolescente, Minerva McGonagall ainda me intimidava. E a julgar pela expressão no rosto das minhas amigas, intimidava a elas também. A impressão que tinha era de que sairia dali com uma detenção e menos alguns pontos para a Lufa-Lufa. Clara ia me pagar muito caro por essa humilhação interna.

– Não tenho cadeiras suficientes, mas acomodem-se, por favor – Minerva indicou algumas cadeiras e eu e as meninas sentamos – Acho que todos leram minha carta, então sabem por que estão aqui.
– Sim, imaginamos que nossos filhos sejam um pouco bagunceiros – Alex arriscou responder e o nariz de Minerva tremeu levemente.
“Um pouco”? – ela falou soando um pouco nervosa – Seus filhos estão fora de controle! Vocês não deram educação a eles? Não souberam impor limites? Eles não obedecem a ninguém, simplesmente fazem o que querem e a hora que querem! Já considero um avanço que assistam às aulas junto dos outros ao invés de determinarem seus próprios horários! Descontar pontos não surte efeito e detenção é só um passatempo para eles, são punidos repetidamente e não aprendem. De Setembro pra cá, foram cerca de 20 detenções cumpridas, cada um. Isso é uma média de 2 detenções por mês! – ela terminou de falar e voltou a respirar.
– Minerva, eles são apenas crianças – o quadro de Dumbledore falou, sorrindo para nós.
– Crianças? – a voz exaltada de Fineus Nigellus Black saiu de outro quadro – Aquilo não são crianças, são demônios! Estão destruindo a reputação da minha amada casa!
– Ora Fineus, francamente! – agora ouvíamos a voz suave de Dilys Derwent – A Sonserina nunca teve uma boa reputação!
– Nunca fomos conhecidos como baderneiros e mal educados. Ao menos não até agora! – ele tornou a esbravejar.
– Já chega, fiquem quietos! – Minerva ordenou e Fineus fez cara feia, mas voltou a dormir.
– Minerva, o que eles tanto aprontaram durante o ano? – Remo perguntou – Que tipo de coisa eles estão fazendo?
– Eles implicam com colegas de classe, pregam peças em todo mundo, não respeitam as regras e estão sempre brigando – ela listou – Todos sabemos que existe uma espécie de tradição que diz que Sonserinos e Grifinórios não conseguem conviver em harmonia, mas eles levam isso ao pé da letra e passaram dos limites com essa “guerra” semana passada, ao começarem um duelo no meio da aula de DCAT! Ártemis, é claro, faz parte do grupo que duela contra a Grifinória.
– Minerva, por que não nos escreveu antes, contando tudo isso? – Lu perguntou indignado.
– Porque de alguma forma eu pensava que poderia disciplina-los, mas estou jogando a toalha – pela primeira vez, Minerva pareceu cansada – Não vou expulsa-los agora no fim do ano letivo, mas quero que fiquem avisados que se essas crianças não entrarem na linha, não chegarão ao terceiro ano em Hogwarts.
– Com licença, Minerva – ouvimos uma batida na porta e Ben apareceu. Sorriu ao nos ver e olhou para a diretora – Temos um problema nas masmorras…
– O que foi agora? – ela perguntou e nos lançou um olhar acusador.
– É melhor ir até lá.

Minerva levantou de sua poltrona e saiu do escritório, pedindo que a aguardássemos. Ben deu passagem a ela e quando ouvimos a gárgula de pedra se fechando, ele começou a rir.

– Levaram bronca dela? – ele perguntou debochado.
– Nossa, eu to suando até de nervoso, me senti com 16 anos de novo! – respondi, minha mão um pouco gelada.
– O que essa mulher tem que assusta tanto? – Yulli perguntou também nervosa.
– Gente, ninguém merece depois de mais de 20 anos de formados, levarmos puxão de orelha de Minerva McGonagall! – Alex falou rindo de nervoso.
– Nunca fui chamado pelo diretor para levar bronca, é um absurdo entrar aqui pela primeira vez por causa da minha filha.
– Você nunca levou uma detenção? – perguntei incrédula e ele confirmou com a cabeça.
– Nossa, mas que vida academia chata você teve… – Sam comentou e rimos.
– O que foi que aconteceu nas masmorras? – Lu perguntou – Foram as crianças?
– Acho difícil eles terem culpa dessa vez, apareceram algumas pixações na parede – Ben respondeu – Parece que foram alguns grifinórios ofendendo os sonserinos, é a segunda vez que acontece.

Ficamos conversando por cerca de 10 minutos sobre os problemas que as crianças estavam causando na escola e ouvimos a gárgula se mexer, mas ao invés de um passo só, ouvimos vários subindo as escadas. Segundos depois, nossos filhos estavam dentro do escritório e levaram um susto ao nos verem em pé lá dentro. Ben se despediu e desceu correndo, deixando o escritório.
– Chamei os senhores aqui apenas para que saibam que seus pais já estão cientes de tudo que aprontaram na escola desde Setembro e para avisá-los que, a partir de agora até o fim do ano letivo, vocês estão proibidos de circular pelos corredores, pátio e qualquer parte dos terrenos da escola fora do horário de aula. Será do salão comunal para o salão principal para tomar café e almoçar, de lá para as salas e ao fim das aulas do dia, voltam para o salão comunal e lá devem permanecer até o dia seguinte – Minerva tomou fôlego novamente e falava de uma vez só – Se pegar vocês circulando pelos corredores depois do horário das aulas, vou começar a considerar expulsão mesmo tão próximo do fim do ano letivo.
– Mas diretora, não é justo só a gente pagar o pato pelo duelo na aula! – Clara começou a falar e de repente todos falavam ao mesmo tempo e ninguém entendia quase nada.
– É, os grifinórios também brigaram e foi o James que começou! – Haley protestou.
– O que chegou aos meus ouvidos foi que a Srta. Lupin lançou o primeiro feitiço – Minerva respondeu.
– Sim, mas porque ele provocou! – agora era Keiko falando e mais uma vez todos começaram a falar se atropelando.
– Não que isso seja da conta dos senhores, mas os alunos da Grifinória também serão devidamente punidos – ela respondeu estranhamente paciente – Agora outro assunto: quem foi o autor da brincadeira de mau gosto agora na masmorra?

Agora a sala caiu em silencio. As crianças trocaram olhares suspeitos, mas ao mesmo tempo negavam com a cabeça uns para os outros. Minerva observava a comunicação silenciosa entre eles, mas se cansou rápido.

– Srta. Lupin, não adianta negar, pois sei que foi a autora da brincadeira na primeira vez que aconteceu – ela falou e olhei furiosa para Clara, mas ela evitava me encarar – Existem testemunhas e elas me confirmaram alguns dias depois de já ter punido James Thruston e Brittany Dashwood que foi a srta. que escreveu nas paredes da masmorra e fez parecer que tinham sido os dois. Mas sei que não fez isso sozinha, então a hora de me dizer quem a ajudou é agora.
– Ninguém me ajudou, eu fiz tudo sozinha – Clara respondeu depressa, mas Ártemis reagiu de forma suspeita ao ouvi-la falar.
– Está me dizendo que entrou no salão comunal da Grifinória e colocou as latas de spray nos pertences de seus colegas sem nenhum aluno da casa lhe ver? – Minerva insistiu e Clara confirmou com a cabeça – Pois eu não acredito.
– Fui eu que coloquei as latas de spray na mala deles – Ártemis se acusou – Clara me entregou na porta do salão comunal e eu fiz o resto.
– Arte! – Clara exclamou olhando para ela.
– Você não fez a brincadeira sozinha, não é justo levar a culpa sozinha também – ela se justificou e Lu parecia orgulhoso por ela ter assumido sua parcela de culpa, mas Mirian parecia prestes a esganá-la.
– E dessa vez, também a ajudou? – Minerva perguntou e todos negaram ao mesmo tempo.
– Dessa vez não tivemos culpa, diretora! – Clara falou – Estávamos dentro do salão comunal quando Penny disse que tinham pixado as paredes da masmorra.
– É difícil acreditar, considerando o histórico de todos vocês – ela insistiu.
– Mas não fui eu dessa vez, eu juro! – Clara agora parecia desesperada para que Minerva acreditasse nela – Não sei quem foi, mas eu não tive nada a ver com isso!
– Só pode ter sido o James, ele ainda está mordido por ter apanhado da Clara na aula do tio George – Haley acusou o garoto e os outros a apoiaram.
– Minerva, nós sabemos que eles não têm credito para que acredite no que dizem, mas se eles estão negando com tanta veemência, acredito que não tenham tido culpa mesmo – falei em defesa deles, embora minha vontade fosse ajudar a dar bronca.
– Sabemos quando nossos filhos estão mentindo, embora eles pensem que possam nos enganar – Yulli falou e Keiko engoliu seco – E se eles estão afirmando que dessa vez não fizeram nada, eu acredito neles.
– E apesar das coisas que fizeram, uma coisa é fato: eles têm coragem de assumir quando são pegos – Alex também saiu em defesa das crianças.
– Sim, eles sentem um estranho prazer em se orgulhar de tudo de errado que fazem – Sam falou e eles sorriram orgulhosos – Tirem esses sorrisos da cara, só estamos defendendo porque levar a culpa sem ter feito nada não é justo! – e os sorrisos murcharam depressa.
– Muito bem, se estão certos de que eles não tiveram culpa, vou apurar para saber quem foi o verdadeiro culpado. Por enquanto, estão salvos. Agora podem ir, acho que já dei todos os avisos que queria. E não se esqueçam que a regra de não perambular pela escola fora do horário de aula já está valendo. Quando a aula de Transfiguração terminar, todos de volta para o salão comunal. Só saiam de lá para o jantar.

Todos assentiram com a cabeça e começamos a descer as escadas um atrás do outro. Já de volta ao corredor, cada um puxou seu filho pela orelha para uma bronca particular e agarrei Clara pelo braço, arrastando para um canto.

– Ai mãe, meu braço! – ela reclamou quando a soltei, alisando o braço – Você tem a mão pesada, sabia?
– Agradeça por já estar grandinha o suficiente ou ia esquentar sua bunda! – respondi irritada e ela calou a boca, mas cruzou os braços emburrada – Qual é o seu problema? Por que faz essas coisas? – ela deu de ombros. Aquilo me enfureceu ainda mais – Tivemos que ouvir um sermão da Minerva sobre não termos imposto limites a você!
– Por que atacou o garoto na aula do seu tio? – Remo perguntou.
– Porque ele é um babaca! – ela respondeu ainda emburrada.
– Olha o vocabulário, Clara! Não foi essa a educação que lhe demos, exijo respeito quando estiver falando comigo e sua mãe! – Remo perdeu a paciência e ela se espantou com seu tom de voz. Pela primeira vez o vi furioso com algo que ela tivesse feito. Nem mesmo quando conseguiu ser expulsa do colégio francês Remo levantou a voz.
– Desculpa – ela murmurou de cabeça baixa.
– Eu só queria entender o que passa pela sua cabeça para desrespeitar a diretora, desobedecer tudo que lhe mandam fazer! – recomecei a falar – Responda direito, por que atacou o garoto na aula do George?
– Eu sou culpada, pode me punir, tudo bem? – ela se esquivou e não respondeu.
– Clara, sua mãe lhe fez uma pergunta, responda!
– Com licença – fomos interrompidos por um homem de terno que segurava o braço de um menino com o uniforme da Grifinória. Clara fez uma careta ao ver o garoto e tornou a cruzar os braços – Não sei se lembram de mim, mas sou Anthony Thruston, era da Grifinória quando estavam quase se formando.
– Anthony, mas é claro que lembro de você – Remo apertou sua mão e sorriu – Era do terceiro ano quando me formei.
– Sim, isso mesmo. Desculpe interromper a conversa, mas meu filho tem algo a dizer a você – ele puxou o garoto para frente.
– Pai, por favor… – o menino suplicou, mas ele estava irredutível.
– James, faça o que estou mandando! – esbravejou – Não lhe eduquei para ser grosseiro com as pessoas e ofender quem nem ao menos conhece! – o garoto balançou a cabeça derrotado e encarou Remo.
– Desculpe por ofendê-lo dizendo que lobisomens são bestas irracionais e que não são domesticáveis – ele falou de uma vez só e Remo e eu nos espantamos.
– Ainda não terminou, não é? – Anthony apertou o ombro do garoto e ele bateu o pé, mas o olhar severo do pai o fez ceder e ele encarou Clara.
– Desculpe por ofender seu pai, Lupin – ele falou azedo e Clara não respondeu, mas Remo a olhou feio e ela descruzou os braços.
– Desculpas aceitas – ela respondeu entediada e também a olhei atravessado – Desculpa ter batido em você – ela completou, mas com um leve tom de deboche.
– Pronto, agora estamos todos bem – Anthony falou outra vez – Remo, sinto muito meu filho tê-lo ofendido. Eu não o eduquei para ser assim, não sei por que age dessa forma.
– Tudo bem, não me ofendeu de verdade – Remo respondeu olhando para Clara – Ofendeu mais a minha filha, mas ele já se desculpou com ela, então está tudo bem.
– Que bom. Agora vamos, James. McGonagall me chamou aqui para fazer queixa de você e quero que escute tudo que ela tem para me dizer! – ele se despediu e puxou o filho pelo braço, entrando no escritório da diretora.
– Por que não disse que atacou o garoto por ele ter ofendido seu pai? – perguntei assim que eles saíram.
– Porque eu ia ter que repetir o que ele disse – ela respondeu de cabeça baixa e Remo e eu nos olhamos.
– Bom, por essa briga não vamos castigá-la, mas ainda tem as outras pendentes – falei outra vez e Remo me apoiou.
– Exato. Pode esquecer praia e viagem com o seu irmão. A única viagem que fará nessas férias será para o Rancho, para o casamento do Ty. Depois disso, vai passar os 2 meses em casa.
– As férias inteiras?? – ela perguntou indignada – Mas eu vou morrer de tédio!
– Não se preocupe quanto a isso, minha querida – falei no mesmo tom de deboche que ela usava – Sempre estão precisando de voluntários para os projetos sociais do hospital, vou arrumar uma vaga para você.
– Ah ótimo, trabalho voluntário… – ela resmungou.
– Se não aprende nada nas detenções, vai aprender ajudando os outros – Remo falou e ela revirou os olhos, inconformada.
– Agora tome o rumo da sala de aula e não esqueça que está proibida de circular pelos corredores até o fim do ano letivo. Se voltarmos aqui ainda esse semestre, peço sua transferência pra escola de magia mais longe que existir! – ameacei.
– Esse semestre? Então quer dizer que em Setembro zera tudo? – ela perguntou debochada.
– Não abuse da minha paciência, Clara – respondi lhe lançando um olhar furioso e ela desfez o sorriso que tinha no rosto.
– Anda, vá para a sala com os outros – Remo a empurrou para junto dos outros encrenqueiros.

Ficamos observando eles andarem juntos pelo corredor, já conversando como se nada tivesse acontecido. Estava uma fera por ela estar a um passo de ser expulsa de mais uma escola, mas não conseguia deixar de sentir uma pontada de orgulho por ter defendido o pai dos comentários maldosos do colega, mesmo que tenha escolhido partir para a agressão para fazê-lo se arrepender. E o modo como ela e os amigos se apoiavam e se defendiam era impossível não ser comparado a nós mesmos quando ainda estudávamos em Hogwarts. No fundo, eles tinham a quem puxar.

Por Alex McGregor Warrick

Abril de 2011

– Ela é bonita, até fria em sua expressão, tem um ar ‘superior’, mas acho que isso é só fachada, porque os olhos demonstram apreensão. Talvez ela tenha medo de perder o menino para o pai, por isso este ‘casamento’. Ty tem sorte de eu não ser a mãe dele, acho que o pegaria pelas orelhas. – disse Louise e Yulli completou:
– Vamos convir que qualquer menino ficaria encantado em descobrir que seu pai é um jogador de quadribol famoso, e que tem uma família tão peculiar, com vampiros, meio vampiros, lobisomens, astros da musica…E sem contar os vários jogadores de quadribol que volta e meia estão por aqui. Competição pesada. – e Mirian concordou com ela, enquanto tomávamos alguns drinks gelados, pois como a temperatura estava agradável, as bebidas geladas eram servidas à vontade.
Observei as pessoas em volta, e notei que Ty estava ocupado falando com barriga da Miyako, enquanto os amigos em volta riam. Rory o olhava espantada, como se nunca tivesse visto como Ty era.
Sabia que Miyako e Gabriel já tinham conversado com o Ty sobre o ‘casamento instantâneo’ dele com a Rory e ele ficava dando voltas para evitar ficar a sós comigo. E parecia que ele havia pedido às pessoas para fazerem um cordão de isolamento em torno da mãe do garoto. Porém era engraçado, que as pessoas ate ficavam próximas a ela, mas não ‘junto dela’ .Via o jeito que ela olhava para Julian com Ty e percebia que ela só não ia embora, por causa do menino.
E Julian, era uma grata surpresa. Inteligente, educado, Haley, Ártemis, Kika e Hiro o adoravam, mesmo antes de saberem que ele era da família, e Olívia estava preocupada com a nova situação e ainda não sabia como agir. Não falava com Julian, mas para não ficar sozinha e perder as brincadeiras, aceitava ficar perto dele, mas sempre que podia agarrava e beijava o pai, talvez para mostrar que Ty era dela.
Depois de algum tempo, tracei uma linha reta até Rory, Edward e Ethan, estavam próximos conversando com Blade Silverhorn, e meu filho me olhou cauteloso. Pisquei para tranqüilizá-lo e ele sutilmente foi se afastando com os outros.
– Julian é um bom garoto Rory, você o criou bem. – e não pude disfarçar uma pontada de ressentimento na voz, e ela percebeu, ficando na defensiva:
– Fiz o possível, para cuidar bem do meu filho, senhora McGregor.
– Agora sou Warrick, você se tornará a senhora McGregor, segundo o anúncio do Ty. Pode me chamar de Alex. Torno a dizer: você fez um ótimo trabalho com ele, criar filhos sozinha, é difícil. – respondi e perguntei séria:
– Está preparada para fazer parte de uma família como esta? – e com os braços abrangi as pessoas ao nosso redor.
– Ninguém nunca está 100% preparado para um casamento…Mas farei o meu melhor.
– Rory, porque esta fazendo isso? Ty a forçou?
– Não, ele nunca faria isso, a senhora sabe disso.
– Como também sei, que quando meu filho quer algo, ele usa tudo que pode a favor dele. Mesmo se tiver que jogar sujo. Você o amou muito não?
– Porque a senhora pergunta isso?
– Só amor justifica ter um filho sozinha como você fez, sem amparo financeiro e num país estranho. Annabeth me contou que você obteve bolsas de estudos para vir para cá.
– Sim, a professora Carter me convidou para atuar no jornal da escola, e isso foi o melhor para mim naquela época. Apesar de não ser rica, nunca faltou nada ao meu filho, e não estou casando com o Ty por dinheiro. – ela disse orgulhosa.
– E está casando com ele porque? Sejamos francas: você teve doze anos para nos procurar e exigir o reconhecimento do Julian, porque não o fez? E agora, você aparece e vai se casar com o Ty. Meu filho está te ameaçando de alguma forma?
– Não, Ty não está me ameaçando. E não os procurei antes, porque tinha que proteger o meu filho.
– De quem? Nós? Ou para se vingar do Ty?
– Não, nunca faria nada para prejudicar ao Ty. Eu ia contar ao Ty sobre Julian, só não estava totalmente preparada…e queria que Julian já estivesse grande, para saber se defender. – eu a olhei feio e ela se explicou:
– Minha mãe ainda é uma fugitiva e eu tive que medo que ela usasse meu filho para chegar até vocês.
– E você não acha que nós o protegeríamos?
– Mas eu não sabia como vocês o receberiam, afinal por minha omissão, o pai do Ty está morto, e ele nunca vai esquecer disso.
– Julian seria muito bem recebido por nós, você notou que todos estão encantados por ele, e mesmo que não pareça a família a acolheu.
– Sim, me adoraram. – ela disse sarcástica.
– Acho que até o momento ninguém foi grosseiro com você, não é? Claro, que não vão soltar fogos, uma vez que você nos privou do meu neto este tempo todo, mas você é a mãe do Julian, e isso já faz com que tenhamos obrigações com você. Em qualquer coisa que precise, pode chamar a qualquer um de nós.
– Só quero que meu filho seja bem recebido, não precisam se importar comigo. – disse orgulhosa.
– Tem noticias de sua mãe? Ela sabe que Julian é um McGregor?- e notei que ela vacilou, mas respondeu:
– Não! Ela nunca soube que eu tive um filho. Não a vejo há anos, desde o ataque a Beauxbatons…
– O que vai acontecer quando sair no jornal que você vai se tornar uma de nós?
– Como assim?
– Se a sua mãe optar por continuar a vingança dela, ela virá atrás do Julian? Afinal, ele é muito parecido com o pai e o avô. – notei que ela ficou tensa, mas continuei:
– E se ela vier, eu garanto que ela vai me encontrar preparada Rory. Não vou permitir que ela machuque um dos meus novamente. Aliás, quero lhe pedir um favor: diga a ela para vir atrás de mim. Fui eu quem matou o companheiro dela. – pude ver o choque estampado no rosto dela.
– Mas ela disse que foi o senhor McGregor quem matou o meu…
– O seu…?
– Aquele homem era o meu pai biológico. Mas meu pai verdadeiro é quem me criou.
– Isso explica muita coisa, mas ela esta enganada. Naquele dia, fui eu quem lançou o feitiço fatal em Raoul Lestrange e o matei. Ele ia matar meu marido, foi a ultima coisa que fiz antes de desmaiar por causa dos meus ferimentos. Mas uma coisa que não entendo,como Antoine Montpellier entrou nesta historia?
– Eles se conheciam há anos, e ela sabia que meu pai gostava dela, então se viu obrigada a casar com um trouxa para se manter segura, já que estava grávida. E eu escondi o Julian de todos porque não queria que ela fizesse algo de ruim a ele.
– Porque você não contou ao Ty sobre ela? Afinal eram namorados…
– Por vergonha, medo e um pouco de esperança de que ela esquecesse esta historia de vingança, mas eu nunca, imaginei que ela fosse seqüestrar o Ty, eu teria impedido, eu juro. – e percebi que a garota falava a verdade.
– Acho que seria bom, você conversar com o Ty e contar tudo, sobretudo pelo bem das crianças. Agora quer você goste ou não, você faz parte desta família, e nós cuidamos uns dos outros. E então já decidiu?
– O que?
– Quando o perigo chegar a quem você vai ser leal desta vez? Vai proteger a sua mãe ou ao pai do seu filho?? – perguntei direta e objetivamente.
Antes que ela respondesse Ty se aproximou e passou o braço pelos ombros dela, ela quase pulou com o gesto, mas ele a segurou firme e disse brincando:
– O que tanto vocês conversam? Aposto que estão decidindo as cores dos enfeites do casamento.Nada laranja, por favor.
Sorri para ele e disse:
– Estávamos falando sobre o passado meu filho. Sobre coisas que terão de enfrentar para que este casamento dê certo.
– Não somos mais crianças, enfrentaremos o que vier, quando a hora chegar, mamãe. – nesta hora Edward começou a cantar uma música romântica a pedido de Logan e meu marido já vinha ao meu encontro com a mão estendida me convidando para dançar. Sorri e antes de ir ao encontro dele, disse aos dois:
– Seria bom, começarem a enfrentar as coisas desde já, vocês já não se conhecem mais como antes, e a postura de vocês é a de dois inimigos, mas podem remediar isso: dancem! Encarem como um treino, para o dia do casamento. – e enquanto eu dançava com Logan, gostaria que as palavras que Edward cantava se tornassem verdadeiras para Ty e Rory.

Don’t you think it’s time to say
Some things we haven’t said
It ain’t too late to get back to that place
Back to the way, we thought it was before
Why don’t you look at me
Till we ain’t strangers anymore

It’s hard to find forgiveness
When we just turn out the lights
It’s hard to say you’re sorry
When we can’t tell wrong from right
It would be so easy to spend your whole damn life
Just keeping score
So let’s get down to it baby
There ain’t no need to lie…

We’re not strangers anymore

Nota da autora: trechos da música: Till We Ain’t Strangers Anymore, Bon Jovi.

Rio de Janeiro, Maio de 2000.

– Paulo, eu não quero aquela bagunça que estava aqui na última vez que fechamos o restaurante pra um evento – falei sério e o gerente do meu restaurante concordava com a cabeça, anotando tudo que dizia em um bloco de papel – Dobre o numero de seguranças circulando aqui dentro, não é só pobre que faz escândalo, rico também adora um barraco.
– Sim senhor, vou cuidar de tudo – ele respondeu elétrico, conferindo o papel em que escrevia – Não vai acontecer outra vez.
– Assim espero.
– Sr. Foutley, tem visita para o senhor – Lucio entrou na cozinha e nos interrompeu – É sua amiga, a Sra. Lupin.
– Ok, mande-a entrar! – me espantei por Louise vir até o restaurante – Bom, já terminei de dizer o que queria, pode ir providenciar as coisas e depois conversamos.

Paulo assentiu com a cabeça e saiu da cozinha, ao mesmo tempo em que Louise entrava. Ela vinha carregando Clara no colo e uma bolsa de ginástica no ombro, parecendo agitada.

– Aconteceu alguma coisa, Lou? – perguntei preocupado, tirando a bolsa do ombro dela.
– Sim, um acidente de ônibus com mais de 15 feridos – respondeu depressa, passando Clara pro meu colo – Estão precisando da minha ajuda urgente no hospital e preciso que leve Clara a natação.
– Opa, calma! Não posso sair daqui agora, estou cheio de coisa pra fazer! – falei devolvendo o bebê, mas ela não pegou.
– Scott, por favor! Remo e Ben estão trabalhando e, diferente de você, eles têm chefe. Não tenho mais ninguém a quem recorrer! – ela implorou. Odiava quando fazia isso, pois eu sempre acabava cedendo.
– Ah, tudo bem, eu levo ela – falei derrotado e Lou respirou aliviada – Mas vai embora logo antes que mude de idéia!
– Obrigada, Cott – ela me abraçou e beijou meu rosto – Já disse o quanto eu te amo?
– Vai embora, mulher.
– Sua sunga está dentro da bolsa, você tem que entrar na água com ela! – Lou disse já na porta, saindo em seguida. Lúcio entrou logo em seguida e se espantou ao ver que tinha um bebê no meu colo.
– Sr. Foutley, o senhor vai sair? – perguntou fazendo cara feia.
– Sim, vou precisar cuidar de algumas coisas na rua – respondi pegando a bolsa dela e jogando no ombro – Paulo vai organizar o evento, eu volto mais tarde.
– Mas senhor, temos muita coisa para fazer! – ele insistiu.
– Eu pago um excelente salário a vocês para se virarem sozinhos nessas horas – respondi impaciente, saindo da cozinha – Se surgir alguma emergência, podem me ligar.

Não deixei que ele falasse outra vez e atravessei o restaurante com Clara no colo, saindo apressado. A academia onde ela tinha aula não era muito longe dali e fomos a pé mesmo. Caminhava na rua conversando com ela e algumas pessoas olhavam, achando graça. Clara já estava com quase 10 meses e além de já engatinhar pela casa toda deixando Louise maluca protegendo todas as tomadas, começava a querer falar. Já falava algo parecido com mamãe e papai e arriscava o nome de alguns bichos que Nicholas ensinava, além de já ter aprendido a falar Nick. Ela estava ficando cada dia mais parecida com Gabriel.

Cheguei com ela na academia e assim que pisamos na área da piscina, Clara já queria se atirar na água. No começo fiquei um pouco desconfortável com aquele monte de mãe me olhando, divididas entre cuidar para que seus filhos não se afogassem e prestar atenção no que eu fazia com a Clara. A professora ficava rindo enquanto dava as instruções do que devíamos fazer e a apesar de ter achado divertido, agradeci a Merlin quando a aula terminou.

– O que houve com a Louise? – a professora veio até mim depois da aula – Por que não veio hoje?
– Ela precisou trabalhar, foi chamada de ultima hora no hospital – respondi enquanto terminava de vestir Clara – Sobrou pra mim.
– Não se sinta ofendido, mas acho que não vai dar certo você vir às aulas com a Clarinha – a professora falou um pouco sem jeito e ri – Você acabou sendo uma distração pras outras mães e a aula não rendeu muito bem.
– É, eu percebi. Não se preocupe, só vim hoje porque foi uma emergência – fechei a bolsa e peguei Clara no colo, pronto para ir embora – Prefiro cuidar dela em casa.

A professora agradeceu a compreensão menos sem graça e já estava saindo quando meu telefone tocou. Pensei logo ser Lúcio querendo fazer alguma pergunta idiota, mas me espantei ao reconhecer o numero da escola de Nicholas. Era a diretora pedindo que fosse buscá-lo imediatamente, pois havia se envolvido em uma briga. Sai correndo de volta para o restaurante para buscar o carro e cheguei à escola em menos de 15 minutos. Nicholas estava sentado no banco do corredor e tinha os cabelo todo bagunçado, camisa amassada e um machucado no canto da boca. Quando me viu, abaixou a cabeça e passou a encarar os sapatos.

– Nick! – Clara se agitou no meu colo, olhando pra ele.
– Sim, é o Nick. E ele está em tremenda enrascada… – falei o encarando sério e a diretora abriu a porta do escritório para que entrasse.
– Por favor, sente-se – ela indicou uma cadeira e me sentei.
– O que aconteceu? – já fui logo perguntando – Nicholas nunca brigou com ninguém.
– É o que estamos tentando entender, mas ele se recusa a falar. E o outro menino também não disse nada, o pai já veio buscar. Nicholas é um excelente menino, carinhoso, participativo, inteligente, um pouco bagunceiro às vezes, mas nada que não possamos controlar. Nunca se envolveu em nenhuma confusão com os colegas de classe, é a primeira vez.
– Mas como foi que isso aconteceu?
– Eles estavam no recreio e o Bruno, o menino com quem ele brigou, estava jogando bola. Nicholas estava sentado no banco lanchando e quando os vi outra vez, estavam rolando no chão. Trouxe-os para cá e perguntei o que estava acontecendo, mas ninguém me respondeu. Tudo que ouvi foi que Bruno é um “cérebro de amendoim” e Nicholas é um “cabeça de melão”. Se puder descobrir o que houve, ficaria muito grata. Precisamos saber por que nossas crianças se desentendem para poder trabalhar isso com elas.
– Certo, entendi – falei levantando da cadeira – Não se preocupe, ele vai falar o motivo.
– Obrigada. E desculpe faze-lo vir até aqui correndo, mas sempre chamamos os pais quando as crianças brigam – ela agradeceu e abriu a porta para que saísse.
– Vamos embora, mocinho – falei para Nicholas quando passei no corredor e ele levantou – Vamos ter uma conversa quando chegarmos em casa.

Nicholas levantou do banco calado e permaneceu assim por todo o trajeto de volta para casa. Entrou e foi direto para o quarto, mas fui atrás e não deixei que fechasse a porta. Deixei Clara brincando no chão e sentei na cama ao seu lado.

– E ai? Não vai contar o que aconteceu? – perguntei, mas ele continuou calado – Se não contar o que aconteceu e eu descobrir sozinho, vai ficar de castigo – ele continuava mudo e agora sacudia os ombros – Nick, você nunca brigou na rua, por que bateu naquele menino?
– O Bruno é um bobalhão, fica implicando comigo – ele falou baixinho, encarando o chão.
– Ok, mas não é certo brigar por isso. Se ele implica com você, reclame com uma professora ao invés de trocar socos com ele. O que ele pode ter feito para tirar você do sério desse jeito?
– Ele chamou você e meu pai de bichas – ele falou me encarando e reagi surpreso, não esperava por essa – Eu sei que vocês são gays, mas ele não tem o direito de usar isso pra ofender ninguém.
– Ah Nick, você não precisa brigar na rua por causa disso – falei passando a mão em seu cabelo e ele relaxou a expressão tensa – Ele fez muito mal em usar isso pra tentar ofender você, mas não devia ter brigado com ele.
– Eu sei, mas eu não consegui me controlar – Nick olhou pra mim firme – Sempre escuto piadinhas e nunca dei bola, mas ele falou um monte de coisas ruins.
– O que foi que ele falou pra você?
– Eu não quero repetir, por favor – ele implorou, me olhando com os olhos cheios de lágrima.
– Tudo bem, não precisa repetir. Vai tomar banho e tirar essa roupa suja, depois vou limpar os machucados.
– Eu não ligo de vocês serem diferentes. Vocês são os melhores pais do mundo – Nick levantou e se jogou em cima de mim, me abraçando.

Abracei-o de volta e depois de um tempo ele me soltou e entrou no banheiro. Clara ainda brincava no chão com os carrinhos dele e fiquei sentado na cama olhando para a porta, sem perceber que esboçava um sorriso. Sempre tive dúvidas quanto ao que ele pensava sobre fazer parte da única família diferente da de seus amigos, mas agora sabia que Nick poderia agüentar qualquer coisa, desde que estivéssemos ao seu lado para apoiar. E nós sempre estaríamos.

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